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busólogos salvam o mundo

Marc Belmondo é repórter de cultura do Canário Diário, o jornal com mais credibilidade de São Barbudo dos Benquistos. Ostenta o prestígio de estrela da redação; cabelo lambido, jaqueta de couro, botinha de salto, calça skinny e único que leu Dostoiévski. Mas, principalmente, era impossível não perder o fôlego com a sua capacidade de abstração em textos sobre o inusitado rame-rame humano através das chispas geniais de uma mente enervada, transpirante e capaz de documentar a verdade do sutil e descontraído existir dos outros.

 

Foi isso que fez com brio quando revelou a pugna vital do pobre garoto disléxico que não conseguia falar “árvore”, em Serra do Queixo Triste. Foram anos de fonoaudiologia, psicologia, terapias, sessões de descarrego, benzeduras, escaneamentos espirituais, regressões extracorpóreas, aterramentos inconscientes e nada da palavra sair da boca do rapaz. A vida dele só mudou depois que Marc Belmondo submergiu na história com a sua prodigiosa atenção. Uma profunda conexão revolucionária, catalisada pelo poder da empatia, ao ponto das pessoas começarem a falar que nem o pobre garoto disléxico. Até uma lei foi criada em homenagem ao repórter: o direito legítimo e constitucional de falar errado.

 

Apenas fruto do seu trabalho e de seu dom de despertar as pessoas para assuntos que ninguém liga. Um sexto sentido; sentia coisas que os outros não sentiam. Por exemplo; o perfil sombrio e devastador sobre o hidrante da 162nd Street em Fresh Meadows, Nova Iorque. Outro; o livro-reportagem sobre o cimento de urina de viscacha, descoberta que impulsionou o planeta rumo à sétima revolução industrial! E, claro, sua Magnus opus; a crônica sobre a escultura de santa que piscava para os fiéis na Igreja dos Benevolentes de Rio Bobo — o primeiro milagre documentado por um jornalista na História. Não era à toa que o chamavam de Mito Belmondo.

 

Plantão de domingo, 34 graus. Nada que preste no Canário Diário do dia seguinte, só a tirinha do Charlie Brown e uma palavra cruzada nível impossível. Mesmo sendo um astro do jornalismo, a vida de Marc não tem nenhum glamour. Pega ônibus, seu apartamento é minúsculo, ganha mal e bate cartão como qualquer outro. Faz pautas de todos os tipos; naquela tarde era a cobertura in loco do Primeiro Fórum de Busologia Nacional na rodoviária da cidade. O maior encontro de estudiosos e apaixonados pelas princesas das estradas. Nojento, pensou.

 

Logo na sua chegada à rodoviária viu uma pequena agitação, algumas pessoas correndo, aos gritos, outras segurando câmeras na mão. Perguntou o que estava acontecendo para um dos garotos, um pirralho que corria todo desengonçado.

 

- É o STE 132 095 Apache Vip!

 

Um furo? Marc Belmondo seguiu o apressado rapaz até uma grande multidão. Todos acompanhavam eufóricos a um ônibus antigo dar a partida, um daqueles de 50 anos atrás, com poltronas bem estofadas, janelas que abrem e sem ar condicionado. Soltavam gritos! Lentamente, o ônibus foi dando ré enquanto alguns garotos e garotas corriam ao seu redor em uma espécie de escolta. Outros filmavam e fotografavam ou só observavam, radiantes. O motorista era como um grande astro, abanava para os observadores e todos o aplaudiam. Buzinou rapidamente e a galera vibrou com força! Quando o veículo entrou na avenida e foi embora, a emoção veio à tona. Belmondo procurou pelo olhar o pirralho desengonçado da entrada e ele estava abraçado com outro rapaz; parecia chorar de emoção. “Isso foi lindo!”, escutou ele falando.

 

Acendeu um cigarro enquanto o grupo de busólogos se dispersava depois da catarse coletiva. Por um momento sentiu raiva daquilo tudo. Como poderia aquela gente amar tanto uma bola de metal de doze toneladas com tantas coisas maravilhosas no planeta para se amar? Depois teve vontade de chorar. Sentiu inveja da felicidade deles. Não foi feliz assim nem no dia que pisou no Museu do Chamberlain, em São Tomé do Espírito, para entrevistar Frank Maron e sua esposa Juliete Badô a convite do Excelentíssimo Grão-duque Medeiro Capital.

 

Na redação, escreveu o texto em dez minutos e foi embora. A matéria ganhou chamada de capa e impulsionou as vendas da edição, que bateu o recorde do ano para uma segunda-feira. Marc Belmondo conseguiu mais uma vez!

 

Busólogos salvam o mundo

por Marc Belmondo

 

O Primeiro Fórum de Busologia Nacional foi um grande sucesso com a reunião dos apaixonados e estudiosos por ônibus para a celebração da partida do STE 132 095 Apache Vip, neste domingo, às 14 horas e 30 minutos, da Rodoviária da Capital para Porto Balbuena, em um evento cataclísmico que brindou a todos os presentes com o que existe de mais genuíno e verdadeiro na alma humana, a celebração do amor pela vida, pois qual a diferença de amar cachorro, gato, avião, ônibus, surfe, livro, planta, televisão, videogame, suruba, cachaça ou drogadição? O que importa é ser feliz com a sua galera e não encher o saco!

 

Essa garotada fã de busão tem uma vida mais cheia de riquezas e conquistas do que muito marmanjo metido a fodão que fica se pagando de bonzão mas tem o coração mais gelado que câmara fria de necrotério.

4 de fevereiro de 2021. | Escrito por Carricas

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