

mudança
Achei um apartamento de dois quartos com vista para a Hercílio Luz e um pôr do sol brutal. 650 por mês, tudo incluso e direto com o proprietário. Barbada, hein? Daí vê o condomínio: 600 reais. Se for só isso, ainda está uma merreca. O problema é a localização, de se desconfiar, pois algum problema há de ter. Rua Bento Custódio, número 666. Bem decente por dentro, viu? Box de vidro, tudo novo, bem construído, com luz natural e área de serviço limpinha. Se não fosse a minha mina, se pá eu arriscava. Barato demais! Pensei em levar um médium para visitar, já que uma vez a gente morou em um apê mal assombrado e, posso garantir, não é tão legal quanto nos filmes.
Foi lá no edifício dos pilotis. Direto, eu ouvia batida no apê do lado. Toda semana, quase todo dia, principalmente à noite. Como não curto me relacionar com os vizinhos, deixei quieto. As batidas duraram por muito tempo. Um belo dia, ao chegar em casa, vi que estava rolando uma reforma justamente no apê do lado, de onde vinham as batidas. Perguntei ao pedreiro se a galera que morava alí estava se mudando. E adivinha a resposta? Não tinha ninguém no apê há um ano. E inclusive estava fechado e vazio porque precisava de reforma. Depois as batidas pararam, mas podia ser um rato, né? Sei lá!
Uma época eu também tinha visto uma casinha incrível, no pé do morro ali próximo a Mauro Ramos. Pertinho da biqueira que tem na rua do Impera. Com um corrimão amarelo, monsenhor top! Foda que ali junta nóia, daí fiquei com receio de chegar com um monte de tralha, mais a minha cara de goiaba. Monte de tralha, mais cara de branquelo goiaba, igual a nenhuma tralha depois de dois dias. Acho que nunca alugaram essa casa, provavelmente deve ser mal assombrada também. Enfim, a minha recomendação é sempre visitar com um defumador e sal grosso. Mal não faz. E tempera o chão.
Outro dia, eu vi uma história no Twitter que deu uma viralizada, cabreiríssima. Eu sou ateu, mas se me aparece uma assombração acho que eu dou uma carimbada. Muitas vezes, eu fico pensando se o ateísmo realmente te impede de acreditar em fantasma. Talvez possamos acreditar que existe uma alma ou espírito, talvez um resquício energético de uma pessoa sem acreditar que existe um deus que criou tudo isso. Fica aí a filosofia. De repente uma fenda dimensional ou anomalia temporal que possibilite a existência de um tipo de "eco" de uma pessoa que passou muito tempo naquele lugar. Na minha nova série preferida, DARK, tem um episódio onde define que deus é o tempo. É bem complexa, confusa, todo mundo é muito parecido e em alemão, mas é altas pira sobre viagem no tempo, com enredo muito doido e vários paradoxos. Não vou falar mais pois, spoiler. Mas, citei isso, porque ia falar justamente que o tempo é medido linearmente pelo homem, mas a física fala sobre a relatividade do tempo. Nesta lacuna, o pequeno agnosticismo dentro de mim acredita que talvez, embora eu duvide, exista alguma força maior que rege sobre nós. Por exemplo, essa energia, pros budistas, é a natureza. Ser um Deus Cristão ou espíritos, poltergeist qualquer coisa, aí eu não creio. É confuso. Não tenho tanta confiança de que não exista deus, ou deuses, ou sei lá que metafísica for. O que eu não acredito é na religião. Um bando de seita dizendo quem é e o que quer esse tal deus, para mim, é o golpe mais antigo da humanidade, replicado várias vezes e de diversas formas.
Enfim, o que cremos e não cremos não são excludentes. Existem categorias de agnosticismo ateu e não ateu. E tem quem acredita e quem acha apenas possível a existência de deus. E aquele que desacredita e o que acha impossível também, mesmo não necessariamente acreditando em uma das duas hipóteses. No caso, vale frisar, agnosticismo é acreditar ser impossível definir a existência de deus. Por exemplo, eu sou agnóstico e sou puxado pro ateísmo, pois acho que provavelmente não tem deus. Agnóstico puxado no ateísmo e um tiquinho assim de carimbó niilista. Sou, até que me prove o contrário, porque se um dia surgir alguma evidência, não vou dar tela azul também. Alienígena eu já duvido que tenha. Por exemplo, humanóide que visita a terra? Acho difícil. Matematicamente, vida alienígena é quase impossível que não exista, mas existir vida inteligente? Vida inteligente que faz viagens pelo espaço é meio improvável... Vida inteligente que faz viagens e visita a Terra e outros planetas… Bípede! Soa bem improvável.
Segue o fio: sempre acho engraçado quem fala "se não existe ET, então é muito desperdício", como se fosse um custo existir um universo gigante. Pô... Maior trabalhão que o Big Bang teve pra fazer todo o rolê de criar um continuum e tudo isso só para essa meia dúzia de bilhão de pela saco de terráqueo.
De qualquer forma, tenho minhas dúvidas se não existe vida inteligente além da galáxia. Tem o bilú broder… Mas talvez existam alguns bichos assim como a gente em alguma parte do universo, com cidades, linguagens, etc. Mas como nós, não conseguem viajar para tão longe e nos conhecer. Uma angústia como a nossa.
É muito mais confortável acreditar que um deus criou tudo e tirar essas dúvidas da mente. Qualquer pensamento metafísico pode ser acusado de simplista, acho que posso dizer o mesmo de um niilista ateu. A questão é que a crença em um deus possibilita a manipulação de massa através da tendência de querer pertencer. Seria impossível alguém chegar a conclusão de que deus pode existir por si mesmo? Tipo: o primeiro crente foi convencido por um ateu a acreditar em deus? Não sei. Fico na dúvida.
Imagina um experimento social, onde uma pessoa é largada sem ensinamento religioso em um mundo que existe o conhecimento científico que temos hoje. Talvez ela, ainda criança, comece a pensar que as coisas vieram de um ser divino. A pessoa poderia achar que há vários deuses no mundo e que cada coisa é um. Deus do sabor, deus da risada, deus do calor e do frio, deus do tempo! Mas talvez crescendo, mudaria de visão e começaria a entender o mundo, a tecnologia e tudo mais, descartando essa hipótese divina. Mas, obviamente, não temos como fazer esse experimento, só se fosse um Show de Truman. Ou Deus, em um dia sem nada pra fazer.
Além do mais, o conceito de deus é complicado porque define também o conceito de ateu. E também sou avesso a ideia dos deuses bíblicos (pensando em todos os livros que podem ter), porque nas escrituras religiosas, os deuses são sempre humanos e humano é o bicho mais tosco que tem. Alguns consideram o budismo uma religião sem um deus. Mas existindo ou não, as coisas que a ciência não explica sempre continuarão por aí. Claro que não acreditamos mais em deuses do trovão porque entendemos como funciona um raio, mas as questões inexplicáveis pela ciência sempre vão existir. E a ciência existe para estudar e descobrir. Então dá pra aceitar também que tudo que não tem explicação, um dia pode vir a ter. Ou tudo que existe pode ter uma explicação científica. Já o Stephen Hawking discorda, acha que existem coisas que são essencialmente metafísicas mesmo e que a ciência não tem como julgar. Tipo um deus ex machina? Tipo... Perguntas filosóficas de verdade, não como o Big Bang surgiu mas o porquê. A existência é muito louca mesmo.
Saber que a ciência humana não pode comprovar cientificamente uma coisa não faz com que a explicação para aquilo seja algo não-científico. O braço da ciência é curto, chega apenas no que pode-se provar dentro de um ambiente controlado, com uma hipótese que possa ser confirmada ou não. Isso se resume a observar uma conclusão, sobra muito espaço pra metafísica. As próprias teorias científicas quando abordam coisas mais complexas de física quântica vêm com teísmos do tipo "bóson de higgs = partícula de deus", uma “cientifiquês” para dizer que existe algo maior. É errado contrapor deus versus ciência. É o mesmo tipo de falácia de dizer que quem não é de direita é comunista. Existe toda a zona cinza que não necessariamente dá para afirmar que é divino ou algo mágico, mas também não cabe no que é afirmativo dentro do método científico, que é limitado. É mais preciso contrapor deus com lógica.
Jesus existiu? Impossível saber até que ponto. Sei lá quem foi Jesus, manja? Pode ser um apanhado de vários profetas. Deve ter vivido naquela época que conta o ano 0 a 33, mas primeiro que a história toda é escrita pelos seus amigos, baseada em coisas que viveram ou ouviram falar. Turvo. Talvez Jesus fosse um filósofo que virou bode expiatório da igreja para ela crescer e ganhar poder... um líder inteligente que morreu porque Roma achava perigoso um cara desses no oriente. Anos depois, gananciosos usaram ele para criar uma seita poderosa chamada Igreja Cristã! Todo o aparato mitológico foi helenizado e estrategicamente adaptado de mitologias pagãs. O império romano, com várias partes em vários lugares, usou o cristianismo para desenvolver um panteão de mitologias. Se um pagão ou bárbaro falasse do equinócio de primavera, eles explicavam o fenômeno como a data da morte de Cristo. Solstício de verão é o nascimento, e por aí foi. Era preciso de algo que fosse fácil de pregar para unir o império na fé, algo mais difícil se a galera estivesse brigando porque uns acreditavam no sol e o outros em Apolo. Depois veio a idade média, onde tudo deve ter sido alterado por caprichos e crueldade e construído para ser algo facilmente pregável. Tem um filmaço sobre isso, chamado Silêncio. Conta a história dos jesuítas no Japão na época que era crime passível de morte ser cristão. No Japão pré-globalização, tudo convertido!
Ainda vai existir Amazônia quando a gente morrer? Ainda vai ter muita treta, talvez a sociedade como conhecemos imploda antes dela ser destruída. Ou vai ser só uma mata ciliar em torno do rio. Um pedaço do Pará vai ser americano. Rondônia, chinês. Um país como o Brasil ser dono de tanto da Amazônia é um perigo, confesso que confiaria mais nos bolivianos. Anos atrás, o nosso país era fiel da balança em assuntos internacionais porque tinha uma economia gigante e se posicionava de maneira neutra. Tudo começou a cair quando o gigante acordou. Tudo que importava no Brasil estava apoiado na barriga do gigante. Ele acordou, levantou e derrubou tudo! É verdade que períodos de quebra acontecem com uma frequência de 20, 30 anos há mais de um século. Qual país não tem esses períodos, não é mesmo? Pega o Chile, um exemplo. Teve a pior ditadura de todas há pouco tempo e se fosse na época, o Pinochet tinha queimado a Amazônia. Ainda têm quilômetros quadrados de campo minado até hoje por todos os lados no Atacama. De qualquer forma, acho que entrei em um âmbito de imaginação difícil de manter qualquer ligação com a realidade. A Amazônia é gigante e o Brasil, continental... não dá para traçar paralelo com quase nenhum país. Até votaria a favor de torná-la em um território regido por organizações supranacionais, mas é foda acreditar que os trilionários não controlem essas organizações (e não que eles não controlem governos).
Na contracapa de um livro que eu comprei vinha um texto assim: "esse livro influenciou grandes gênios como Steven Spielberg, o prêmio Nobel de economia Paul Krugman e Elon Musk”. Elon Musk, gênio? Eu adoro quando ele entra no Twitter e manda um "tesla stock prices are too high imo", daí cai pra caralho e os acionistas ficam doidos com ele. É recorrente. "Gênio". Certeza que o Elon Musk mora em um apartamento mal assombrado na Amazônia. E não é ateu porque se acha o próprio deus. E tudo isso deixou o Jeff Bezos bem puto.
Inti Raymi
Florianópolis, 25 de junho de 2020.